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14.ABR/22
Gil do Carmo no Jornal Público / Ípsilon - 14abr2022
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Texto Nuno Pacheco
Publicação Público

Gil do Carmo

Neste tempo em que vivemos, é muito importante a essência do ser

Da Lisboa mestiça de hoje às memórias familiares do pai Carlos e da avó Lucília, Gil do Carmo tem no seu mais recente álbum, Sê, uma mensagem de desafio e de esperança.

Parece que foi ontem, mas já passaram 25 anos desde que Gil do Carmo gravou o primeiro álbum como cantor e compositor. Chamava-se Mil Histórias (1997) e depois vieram mais três: Nus Teus Olhos (1999), Sisal (2008) e A Uma Voz (2016). Agora tem um novo disco, com um título curtíssimo, , mas é de todos o que revela maior abrangência, partindo do universo da Lisboa mestiça de hoje, cruzando nele as presenças na memória do pai e da avó (Carlos do Carmo e Lucília do Carmo), para rumar às raízes do Ribatejo e do Alentejo. Pré-anunciado em Dezembro de 2021 com Fado breve (dedicado ao pai) e Mundo inteiro, e chegado às plataformas digitais em Março, prepara agora a sua digressão pelo país.

O título pode lembrar um outro que nos andará na memória, o de Caetano Veloso, mas enquanto este era uma forma abreviada e popular de “você”, o Sê de Gil do Carmo é uma forma do imperativo do verbo “ser”. Com uma ideia associada, que Gil do Carmo explica ao PÚBLICO: “Neste tempo em que vivemos, é muito importante a essência do ser. Temos de deixar-nos de conversas e ser. Andamos todos muito fechados em nós mesmos. Foram dois anos a levar pancada de uma pandemia e agora temos uma guerra, é uma loucura. O que me preocupa é o egoísmo em que o ser humano se afunda, neste momento. Há uma grande distância entre a realidade e o poder e isso deixa-me completamente aturdido.”

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Com Lucília, naturalmente
Produzido pelo próprio Gil do Carmo (voz, percussões) e por Miguel Sá Pessoa (piano acústico, teclados, melódica, programações), no disco participaram vários músicos. Na guitarra portuguesa, estiveram José Manuel Neto, Custódio Castelo, Ângelo Freire e Bernardo Couto; no acordeão, João Barradas e João Frade: nas percussões, Cara de Gato e Vicky Marques; na guitarra acústica, Manuel de Oliveira e Tiago Santos (que também tocou ukulele). Além deles, participaram também nas gravações Marino de Freitas (baixo acústico), Tiago Inuit (guitarra eléctrica), Ciro Cruz (Upright), o Grupo Coral Feminino de Cantares de Alcáçovas (coros no tema-título) e João Sampaio (programações adicionais).

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Da mestiçagem ao Alentejo
A ideia de mestiçagem, e de um certo cosmopolitismo que tem vindo a caracterizar Lisboa está também presente em Fado breve (dedicado a Carlos do Carmo; aliás, foi escrito para ser gravado com ele, o que já não foi possível), Fado do Tuk Tuk ou Lisboando. “Há essa riqueza, que é única na nossa língua e na nossa música”, diz Gil do Carmo. “Aportámos, fomos aportados e essa mudança começou a acontecer sobretudo com a vinda dos caboverdianos e dos angolanos, no final dos anos 70, início dos anos 80. Sou amigo do Tito Paris desde miúdo, lembro-me de ir ao Bana [ao restaurante Monte Cara] e dessa vinda. Há uma magia na noite, que hoje acontece em Lisboa e que se traduz dessa miscigenação. E sinto que o pulsar da cidade, até para os estrangeiros que vivem em Lisboa, é exótico.”

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Terra, mar e electrónica
Além dos músicos já citados, o disco contou com três convidados: Papo Reto (rap em Ela por ela), Stereossauro (remix de Alentejo) e Ana Sofia Varela (dueto em Fogo no mar). “Conheço-a há mais de vinte anos e confesso que para além de adorar a voz da Ana Sofia Varela, e de achar que este dueto devia ser com ela, a Ana é sem dúvida uma das grandes fadistas da nova geração que ainda não teve o seu momento. Desafiei-a (disse-lhe: ‘ouve, se sentires, faz’), ela chegou ao estúdio e com a sua voz fez um trabalho lindíssimo.”

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Ainda em fase de divulgação do disco (cujo libreto fecha com o aplicado aos títulos de todas as canções, em jeito de posfácio), as apresentações ao vivo estão a ser programadas: “Serão muitas. Estamos a preparar e a estruturar tudo para que sejam apresentadas todas ao mesmo tempo. Quero apresentar as várias datas, faz muito tempo que não me apresento às pessoas, tenho muitas saudades do público e não quero que seja só Lisboa. Tenho de ir ao Porto, tenho de ir ao Alentejo, e já que tenho um disco com esta matriz, quero de certa forma desafiar-me a vestir as músicas dos discos anteriores com a roupagem deste.”